ENTRE A
LIBERDADE E A VIGILÂNCIA : Os dilemas da Educação
Robson de Sousa Moraes
Professor da Universidade
Estadual de Goiás/ UnU – Cidade de Goiás
Movimento Universidade Popular –
MUP
robsondesousamoraes@hotmail.com
Nas últimas décadas do século XX,
um conjunto de fenômenos sacudiu a estrutura produtiva, política e econômica do
planeta. Vários foram aqueles que atestaram o advento de uma nova
temporalidade. No espectro político, o fim da Guerra Fria e da bipolaridade,
desencadeou inúmeras avaliações, que advogavam o aparecimento de um mundo
unipolar, comandado pela supremacia militar dos E.U.A, outros apontavam o
surgimento da Multipolaridade, em razão da decadência econômica do Império
americano, diante da China, e dos Blocos Econômicos de caráter transnacional.O
historiador Francis Fukuyama chegou a visualizar o fim da História e o último
homem encarcerado na dinâmica do Modo de Produção capitalista, compreendido
como o apogeu civilizacional da humanidade. O britânico Samuel Hutington, mais
realista e menos comprometido com a ideologia dominante, aponta para um choque
cultural e uma guerra de civilizações, como a marca de um novo mundo. No
cotidiano da produção, há aqueles que falam de Pós-Fordismo, Neo-Fordismo, Toyotismo
entre tantas outras denominações. Do ponto de vista social, a moderna Sociedade
Industrial de consumo, estaria sendo ultrapassada, por uma Sociedade
Pós-Industrial, ou ainda pela Sociedade do Conhecimento, pela Pós Modernidade
ou ainda pela Hiper Modernidade Tardia, só para citar algumas das expressôes e
conceitos. O fato é que inegavelmente vivenciamos uma época de expressivas
transformações. O mundo já não se manifesta como antes.
Neste mundo em constantes,
rápidas e velozes transformações, o conhecimento é percebido por alguns como
principal meio de produção e a tecnologia e seu domínio condição fundamental
para o desenvolvimento social. Biotecnologia, Nanotecnologia, Engenharia
Genética, Robótica e todas as inovações tecnológicas, são temas que atraem o
imaginário social. Neste ambiente o magnata empresário Steve Jobs é aclamado
como revolucionário e a tecnologia a arma da alteração do status quo. O
operário massa, figura emblemática da passagem da manufatura para a grande
indústria, condicionado e limitado pelo exaustivo trabalho da fábrica e sua
mais valia absoluta, estaria nas leituras mais otimistas, libertos pelo novo
aparato tecnólogico ou condenados ao chamado desemprego estrutural.
No discurso hegemônico, a
Educação, reduzida pelo economicismo a mero fator de produção é vista como
potencializadora do “Capital Humano” e retirada das relações de poder, é
convertida em técnicas de montar e dispor os recursos humanos para o mundo do
trabalho, supostamente capaz de operar, por sí só, a sonhada equalização
social. Antenadas com os novos tempos, a retórica sobre educação está recheada
de palavras como “Qualidade Total”, “Educação para a Competitividade”, que soam
como mantras repetidos por governos e organismos internacionais, tais como .
F.M.I e o Banco Mundial. O objetivo é a formação de trabalhadores habilitados
técnica, social e ideologicamente para responder de forma rápida e eficiente às
demandas do Capital e do “Deus- mercado” em sua líquida modernidade. Adaptação,
domesticação, funcionalidade, travestida em Educação. Na antiga Paidéia, educar
estava intimamente relacionado ao desenvolvimento e aprimoramento das condições
físicas, intelectuais, lúdicas, afetivas e estéticas do indivíduo, como forma e
instrumento da satisfação plena de suas necessidades, no seu constante porvir
historicamente constituído e constituinte. Educar é abrir caminhos para a
liberdade e emancipação das amarras do cotidiano, sendo antagônico ao processo
de alienação limitador da vida e castrador das potencialidades Humanas. Educar
é estimular o trabalho criador e vivo, contrário à reprodução de eunucos para o
mercado. Como facilmente podemos observar, mesmo que ofuscado pelo sofismo da
retórica, há um enorme descompasso entre as leituras da contemporaneidade e a
concepção hegemônica de educação.
O ajuste neoconservador da
Educação limitada à instrução, é derivado da necessidade concreta dos homens de
negócios em subordinar conteúdos e a gestão do processo educativo em favor da
máxima produtividade em tempos de predomínio da informação sobre a massa bruta
e energia. As pessoas são secundarizadas em benefício da lucratividade
empresarial. Parâmetos interesseiros, particularistas e imediatistas, vão
perpetuando o bloqueio do sistema educacional de caráter humanista e democrático.
Torna-se imperativo, mais do que nunca, reafirmar o princípio do qual o
mercado, com sua dinâmica competitiva anti-humanista é incapaz de promover e
atender o direito a educação em sua plenitude. Importante se afirmar, também,
que a simples ampliação da ação estatal neste setor, não pode dar vasão às
expectativas mudancistas, se a ação estatal estiver permeada por lógicas
excludentes, seletivas, pautadas nos mesmos elementos mercadológicos.
O corpo Docente e o alunado são
os pricipais Sujeitos constituintes do processo educacional. No entanto, o
papel de Sujeito é negado ao Professor, seu Corpo, transformado em mera carne,
instrumentalizado pelo aparato gerencial camuflado em falsas pedagogias. Apesar
das supostas mudanças desenvolvidas no processo de produção, o Taylorismo é o
método de gerenciamento praticado nas escolas. A jornada de trabalho lembra as
fábricas da I Revolução Industrial, a quantidade de aulas determina o salário e
a qualidade é sufocada por uma burocracia, que elimina a autonomia docente e o
converte em um tardio neo-operário massa em tempos de globalização. Reduzir o
Corpo, a carne, disciplinando-a com impiedosos instrumentos repressivos e
opressivos, premiar alguns domesticáveis e massacrar milhares de excedentes e
irredutíveis, eis a atual estratégia conservadora para exercício do Magistério.
A tática que materializa e concretiza a estratégia conservadora se revela
em uma espécie de economia dos direitos suspensos, que penaliza mais que o
corpo, atinge gravemente a alma, o intelecto e acima de tudo a vontade do
sujeito constituinte, minando e eliminado, gradativamente, sua capacidade de
resistência. Nesta perspectiva, a individualização é um forte mecanismo do
poder. A atomização dos corpos é condição básica para uma futura
descorporificação e transmutação em simples carne, pronta para ser manipulada,
vendida e comprada como “força de trabalho” ou “mão de obra”, ou seja, corpos
mutiliados, esvaziados de seu significado originário. Sua aceitação está
submetida a sua sujeição e consequente submissão, estimulada, calculada,
tecnicamente pensada e esporadicamente premiada. Sujeitado, reprimido e
fatigado o corpo se transforma no próprio carcereiro da alma cansada.
O enquadramento do sujeito
constituinte só é possível na execução de apuradas ténicas de inspeção e
vigilância. As salas de aulas estão abarrotadas de mecanismos de vigilância,
clamam por camêras que se retroalimentam por um eficiente sistema de registro
permanente. As sombras, o não captado, passa a ser o refúgio do corpo. Vivemos
em “off” para sobrevivermos na luz e na visibilidade que assegura o
funcionamento dos aparelhos do poder. O olhar do outro amedronta e modela
comportamentos, treina e ensina, mas nunca educa, pois teme o não controlado, o
imprevisível, a criação e a liberdade, pois, já se constituiu em mera carne a
ser negociada no asfixiante mercado.
Humanos desejantes formatados em
força de trabalho. Mera peça da engrenagem da obsoleta escola-máquina
taylorista. A disciplina bonificada, batizada de “meritocracia” é um mero
exercício da economia do poder. Uma forma de deixá-lo menos oneroso, diante de
sua relativa invisibilidade. No entanto, esta tentativa de ajustamento sempre
encontra resistências, agitações, revoltas, formas espontâneas de organização, a
horizontalidade do anti-poder contra a verticalidade da vigilância
disciplinadora. A padronização do ajuste esbarra no crescimento da
multiplicidade criativa. Feixes de técnicas físico-políticas estruturam uma
bio-política do corpo, mas não consegue aprisionar a anatomia política do
desejo. Condicionados pelos elementos do controle, se condenam a mera repetição
e cópia inaptas ao novo, a liberdade e a inspiração, e como já afirmou o poeta
“eles passarão e nós: passarinho”.
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