domingo, 2 de dezembro de 2012






ENTRE A LIBERDADE E A VIGILÂNCIA : Os dilemas da Educação


Robson de Sousa Moraes 
Professor da Universidade Estadual de Goiás/ UnU – Cidade de Goiás
Movimento Universidade Popular – MUP
robsondesousamoraes@hotmail.com

Nas últimas décadas do século XX, um conjunto de fenômenos sacudiu a estrutura produtiva, política e econômica do planeta. Vários foram aqueles que atestaram o advento de uma nova temporalidade. No espectro político, o fim da Guerra Fria e da bipolaridade, desencadeou inúmeras avaliações, que advogavam o aparecimento de um mundo unipolar, comandado pela supremacia militar dos E.U.A, outros apontavam o surgimento da Multipolaridade, em razão da decadência econômica do Império americano, diante da China, e dos Blocos Econômicos de caráter transnacional.O historiador Francis Fukuyama chegou a visualizar o fim da História e o último homem encarcerado na dinâmica do Modo de Produção capitalista, compreendido como o apogeu civilizacional da humanidade. O britânico Samuel Hutington, mais realista e menos comprometido com a ideologia dominante, aponta para um choque cultural e uma guerra de civilizações, como a marca de um novo mundo.  No cotidiano da produção, há aqueles que falam de Pós-Fordismo, Neo-Fordismo, Toyotismo entre tantas outras denominações. Do ponto de vista social, a moderna Sociedade Industrial de consumo, estaria sendo ultrapassada, por uma Sociedade Pós-Industrial, ou ainda pela Sociedade do Conhecimento, pela Pós Modernidade ou ainda pela Hiper Modernidade Tardia, só para citar algumas das expressôes e conceitos. O fato é que inegavelmente vivenciamos uma época de expressivas transformações. O mundo já não se manifesta como antes. 

Neste mundo em constantes, rápidas e velozes transformações, o conhecimento é percebido por alguns como principal meio de produção e a tecnologia e seu domínio condição fundamental para o desenvolvimento social. Biotecnologia, Nanotecnologia, Engenharia Genética, Robótica e todas as inovações tecnológicas, são temas que atraem o imaginário social. Neste ambiente o magnata empresário Steve Jobs é aclamado como revolucionário e a tecnologia a arma da alteração do status quo.  O operário massa, figura emblemática da passagem da manufatura para a grande indústria, condicionado e limitado pelo exaustivo trabalho da fábrica e sua mais valia absoluta, estaria nas leituras mais otimistas, libertos pelo novo aparato tecnólogico ou condenados ao chamado desemprego estrutural. 

No discurso hegemônico, a Educação, reduzida pelo economicismo a mero fator de produção é vista como potencializadora do “Capital Humano” e retirada das relações de poder, é convertida em técnicas de montar e dispor os recursos humanos para o mundo do trabalho, supostamente capaz de operar, por sí só, a sonhada equalização social. Antenadas com os novos tempos, a retórica sobre educação está recheada de palavras como “Qualidade Total”, “Educação para a Competitividade”, que soam como mantras repetidos por governos e organismos internacionais, tais como . F.M.I e o Banco Mundial. O objetivo é a formação de trabalhadores habilitados técnica, social e ideologicamente para responder de forma rápida e eficiente às demandas do Capital e do “Deus- mercado” em sua líquida modernidade. Adaptação, domesticação, funcionalidade, travestida em Educação. Na antiga Paidéia, educar estava intimamente relacionado ao desenvolvimento e aprimoramento das condições físicas, intelectuais, lúdicas, afetivas e estéticas do indivíduo, como forma e instrumento da satisfação plena de suas necessidades, no seu constante porvir historicamente constituído e constituinte. Educar é abrir caminhos para a liberdade e emancipação das amarras do cotidiano, sendo antagônico ao processo de alienação limitador da vida e castrador das potencialidades Humanas. Educar é estimular o trabalho criador e vivo, contrário à reprodução de eunucos para o mercado. Como facilmente podemos observar, mesmo que ofuscado pelo sofismo da retórica, há um enorme descompasso entre as leituras da contemporaneidade e a concepção hegemônica de educação. 

O ajuste neoconservador da Educação limitada à instrução, é derivado da necessidade concreta dos homens de negócios em subordinar conteúdos e a gestão do processo educativo em favor da máxima produtividade em tempos de predomínio da informação sobre a massa bruta e energia. As pessoas são secundarizadas em benefício da lucratividade empresarial. Parâmetos interesseiros, particularistas e imediatistas, vão perpetuando o bloqueio do sistema educacional de caráter humanista e democrático. Torna-se imperativo, mais do que nunca,  reafirmar o princípio do qual o mercado, com sua dinâmica competitiva anti-humanista é incapaz de promover e atender o direito a educação em sua plenitude. Importante se afirmar, também, que a simples ampliação da ação estatal neste setor, não pode dar vasão às expectativas mudancistas, se a ação estatal estiver permeada por lógicas excludentes, seletivas, pautadas nos mesmos elementos mercadológicos. 

O corpo Docente e o alunado são os pricipais Sujeitos constituintes do processo educacional. No entanto, o papel de Sujeito é negado ao Professor, seu Corpo, transformado em mera carne, instrumentalizado pelo aparato gerencial camuflado em falsas pedagogias. Apesar das supostas mudanças desenvolvidas no processo de produção, o Taylorismo é o método de gerenciamento praticado nas escolas. A jornada de trabalho lembra as fábricas da I Revolução Industrial, a quantidade de aulas determina o salário e a qualidade é sufocada por uma burocracia, que elimina a autonomia docente e o converte em um tardio neo-operário massa em tempos de globalização. Reduzir o Corpo, a carne, disciplinando-a com impiedosos instrumentos repressivos e opressivos, premiar alguns domesticáveis e massacrar milhares de excedentes e irredutíveis, eis a atual estratégia conservadora para exercício do Magistério.  A tática que materializa e concretiza a estratégia conservadora se revela em uma espécie de economia dos direitos suspensos, que penaliza mais que o corpo, atinge gravemente a alma, o intelecto e acima de tudo a vontade do sujeito constituinte, minando e eliminado, gradativamente, sua capacidade de resistência. Nesta perspectiva, a individualização é um forte mecanismo do poder. A atomização dos corpos é condição básica para uma futura descorporificação e transmutação em simples carne, pronta para ser manipulada, vendida e comprada como “força de trabalho” ou “mão de obra”, ou seja, corpos mutiliados, esvaziados de seu significado originário. Sua aceitação está submetida a sua sujeição e consequente submissão, estimulada, calculada, tecnicamente pensada e esporadicamente premiada. Sujeitado, reprimido e fatigado o corpo se transforma no próprio carcereiro da alma cansada. 

O enquadramento do sujeito constituinte só é possível na execução de apuradas ténicas de inspeção e vigilância. As salas de aulas estão abarrotadas de mecanismos de vigilância, clamam por camêras que se retroalimentam por um eficiente sistema de registro permanente. As sombras, o não captado, passa a ser o refúgio do corpo. Vivemos em “off” para sobrevivermos na luz e na visibilidade que assegura o funcionamento dos aparelhos do poder. O olhar do outro amedronta e modela comportamentos, treina e ensina, mas nunca educa, pois teme o não controlado, o imprevisível, a criação e a liberdade, pois, já se constituiu em mera carne a ser negociada no asfixiante mercado.

Humanos desejantes formatados em força de trabalho. Mera peça da engrenagem da obsoleta escola-máquina taylorista. A disciplina bonificada, batizada de “meritocracia” é um mero exercício da economia do poder. Uma forma de deixá-lo menos oneroso, diante de sua relativa invisibilidade. No entanto, esta tentativa de ajustamento sempre encontra resistências, agitações, revoltas, formas espontâneas de organização, a horizontalidade do anti-poder contra a verticalidade da vigilância disciplinadora. A padronização do ajuste esbarra no crescimento da multiplicidade criativa. Feixes de técnicas físico-políticas estruturam uma bio-política do corpo, mas não consegue aprisionar a anatomia política do desejo. Condicionados pelos elementos do controle, se condenam a mera repetição e cópia inaptas ao novo, a liberdade e a inspiração, e como já afirmou o poeta “eles passarão e nós: passarinho”. 



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